terça-feira, 8 de junho de 2010

Fim de dia


Foi numa casa assim que eu vivi durante largos anos. Agora passo por ali ao volante do meu Volvo e calo as minhas lembranças. Prefiro olhar ao largo. De qualquer maneira a casa foi vendida tambem há largos anos e o que importa agora é a vida que mudou. O que pesa mais ? o que fomos ou o que somos ? Nos meus sonhos volta sempre tudo. Mas a noite é secreta e ninguém sabe o que sucede quando a minha cabeça adormece na almofada de algodão acetinado. E de repente, como uma onda , vem-me o perfume da cal húmida que impregnava os lençois que roçavam as paredes. Obstinada memória. De qualquer maneira, a casa foi demolida.

Dali a pouco entro no prédio, as duas exageradas plantas da borracha espreitam-me ao espelho enquanto espero pelo elevador. Estou macilenta, a luz amarela acentua-me as olheiras. "Boa noite" sai-me automaticamente da boca quando a porta se abre e vejo sair um rapagão -é o filho dos do 5º andar e deixou o elevador empestado de perfume. Ele de certeza sai para a agitação juvenil duma noite de sábado. Eu volto a casa com algumas compras inuteis de fim de dia num centro comercial. E sei que ele não está. Nem vale a pena verificar o atendedor de chamadas. E de qualquer maneira, o telemóvel não tocou .

Ligo a televisão, um enorme écran agarrado à parede, como um poster publicitário em que as imagens rodopiam em continuacão. Foi ele ainda quem a instalou e ali ficou. Não precisava de a levar para o apartamento da outra, que muito provávelmente terá outra televisão igualmente grande e agarrada assim à parede ...

E agora aqui estou agarrada a estas linhas onde debito a minha solidão. Começo um livro mas abandono-o rápidamente. Não encontro naquele romance a experiência que procuro.
Começo a escrever aqui e talvez alguém receba a "mensagem na garrafa".