Letras grossas

segunda-feira, 11 de abril de 2011

sábado, 10 de julho de 2010

Depois





Quando se está realmente apaixonado por alguém, é tal a dor da ruptura que nos esmaga. Orgulho-me de ser muito independente e disciplinada, mas isso não me ajudou grande coisa quando fiquei com os sentimentos destroçados. Enterrei-me no trabalho e não falei com ninguém durante semanas. E depois, de repente, saí do meu lusco-fusco emocional. Não há nada pior do que sentirmos pena de nós próprios. O melhor é ir ao encontro da luz do sol e continuar com a nossa vida! Li numa revista feminina que não se deve perder tempo com autocomiserações. Foi então que resolvi festejar os meus anos.


Estava na pastelaria onde encomendei os salgados para a festa quando o telefone tocou e percebi que era o H. Observava-me reflectida no espelho emoldurado de alumínio, por entre copos de galão e caixas de guardanapos em plástico, enquanto falava. Mas não reparei bem quando é que aconteceu que a boca, com hálito de café, pronunciou o inesperado convite para ele vir à festa. Em tom blasé. E como o H. aceitou animadamente.


Percebi depois, na festa, que H. estava de novo só.
“Que melhor presente de anos poderias ter ?” – aproximou-se uma colega acenando para H. agitando um pastel de bacalhau na mão. De facto. Muito melhor do que qualquer presente bem embrulhado.

Nas semanas passadas tinha procurado presentear-me a mim mesma. Sair para dar uma volta, comprar um CD que gosto, experimentar um prato especial, ligar para uma amiga com quem não falava há tempos. Nada de muito excitante mas alguma coisa que me soube bem naquele momento.

Mas agora tinha-o ali de novo, com a camisa que comprámos juntos em Madrid e o seu olhar sobre mim, questionando o hiato que se fez entre nós. Sentimos sempre falta do olhar atento dos outros quando estamos sós. Por vezes temos direito a olhares curiosos. Mas esses são apenas olhares que questionam os nossos hábitos.


Arrumei os despojos da festa lentamente, noite avançada. A vontade de confidências fez-me falar com o piriquito, desperto e irriquieto com a luz. Ele sabe que não tenho família nem próximos. Que nesta casa habitualmente não entra ninguem senão o H. ou a mulher- a-dias. Que me viu algumas vezes chorar debruçada no lava-loiças, ali mesmo ao lado da sua gaiola. Então porque é que lhe perguntei :
-Achas que vale mesmo a pena recomeçar ?
O que é que ele poderia responder ?
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Escrevo no meio da insónia, estática em frente a um copo de água. Lá fora ainda há movimento. Porque é sábado à noite.










domingo, 4 de julho de 2010

A minha festa

Fiz uma mesa de comidas (arroz frio, salgados, carnes frias, salada ... pratos, talheres, guardanapos...) e uma mesa de bebidas (cachaça e vodka para bebidas como caipirinhas e hi-fi, com gelo, rodelas de laranja e limão numa taça)...... Numa bandeja, dispuz os copos altos e baixos decorados com rodelas de frutas e cerejas, para dar um toque de sofisticação. Fiz uma mesa pequena, com água aromatizada numa jarra transparente, guardanapos descartáveis coloridos e arranjos de flores.
Os meus colegas chegaram pontualmente, as mesmas caras de sempre em calças de ganga. Contraía-me no vestido vistoso que tinha escolhido para a ocasião. Contraía-me quando me pediam cerveja e a bebiam pelo gargalo. Contraía-me com os caroços de azeitonas abandonados em cima da mesa.
Foi então que ele chegou. Trazia um embrulho nas mãos. Um presente. E vinha sózinho.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Fim de dia


Foi numa casa assim que eu vivi durante largos anos. Agora passo por ali ao volante do meu Volvo e calo as minhas lembranças. Prefiro olhar ao largo. De qualquer maneira a casa foi vendida tambem há largos anos e o que importa agora é a vida que mudou. O que pesa mais ? o que fomos ou o que somos ? Nos meus sonhos volta sempre tudo. Mas a noite é secreta e ninguém sabe o que sucede quando a minha cabeça adormece na almofada de algodão acetinado. E de repente, como uma onda , vem-me o perfume da cal húmida que impregnava os lençois que roçavam as paredes. Obstinada memória. De qualquer maneira, a casa foi demolida.

Dali a pouco entro no prédio, as duas exageradas plantas da borracha espreitam-me ao espelho enquanto espero pelo elevador. Estou macilenta, a luz amarela acentua-me as olheiras. "Boa noite" sai-me automaticamente da boca quando a porta se abre e vejo sair um rapagão -é o filho dos do 5º andar e deixou o elevador empestado de perfume. Ele de certeza sai para a agitação juvenil duma noite de sábado. Eu volto a casa com algumas compras inuteis de fim de dia num centro comercial. E sei que ele não está. Nem vale a pena verificar o atendedor de chamadas. E de qualquer maneira, o telemóvel não tocou .

Ligo a televisão, um enorme écran agarrado à parede, como um poster publicitário em que as imagens rodopiam em continuacão. Foi ele ainda quem a instalou e ali ficou. Não precisava de a levar para o apartamento da outra, que muito provávelmente terá outra televisão igualmente grande e agarrada assim à parede ...

E agora aqui estou agarrada a estas linhas onde debito a minha solidão. Começo um livro mas abandono-o rápidamente. Não encontro naquele romance a experiência que procuro.
Começo a escrever aqui e talvez alguém receba a "mensagem na garrafa".